Dora M. Kalff
DORA M. KALFF
Tendo recebido esmerada educação, Dora Maria Kalff (1904-1990) ampliou desde cedo sua visão de mundo, por meio do aprendizado de línguas nada usuais, principalmente na época em que viveu, e mormente pelo fato de se tratar de uma mulher. Assim, seus conhecimentos de grego, sânscrito, latim e chinês conduziram-na à filosofia oriental, e em especial ao Taoísmo. Recebeu ainda formação musical, vindo a tornar-se pianista concertista na França, e em uma temporada na Itália aprendeu um método de encadernação artística muito raro.
Após seu casamento, aos 29 anos, com um banqueiro alemão, mudou-se para a Holanda. Porém, com o advento da guerra e a invasão alemã, Dora vê-se obrigada a retornar à Suíça com seu primeiro filho, nascido em 1939.
Esta separação forçada de seu marido resultou em divórcio, em 1949, após o qual começou uma vida nova em uma pequena cidade de montanha, chamada Parpan, onde a família Jung passava férias. Seus filhos tornaram-se então amigos dos netos de Carl G. Jung. Foi nesta fase de sua vida, aos 45 anos, que começou a interessar-se pela Psicologia.
Jung reconheceu imediatamente seu talento com as crianças e encorajou-a a iniciar seus estudos no C.G.Jung Institute, em Zurique, onde Dora Kalff iniciou sua análise com a Sra. Emma Jung, trabalhando questões pessoais importantes diretamente com C.G.Jung.
Em 1954, Dora assistiu a uma palestra de Margaret Lowenfeld (1890-1973), em Zurich, sobre a “World Technique”, uma técnica por esta desenvolvida com base nos “Floor Games” (1911), de H.G. Wells, aplicada à Psicologia infantil, criada com o intuito de propiciar às crianças uma forma não verbal de se expressarem: utilizando miniaturas em uma caixa com areia.
Reconhecendo o grande valor deste método, Dora Kalff decidiu estudá-lo no Institute for Child Psychology, em Londres, dedicando o ano de 1956 a estudos com Lowenfeld, D.W.Winnicott e M. Fordham.
O estudo deste método, que começou a aplicar profissionalmente em Zollikon, após seu retorno à Suíça, levou-a à constatação de que as criações das crianças na areia correspondiam ao processo de individuação descrito por C.G.Jung. Assim, desenvolveu seu próprio método, Sandplay – Jogo de Areia, associando conceitos da Psicologia Analítica ao método de Margaret Lowenfeld, colocando-o inicialmente em prática apenas com crianças.
Assombrados com as rápidas e positivas respostas que observavam em seus filhos, os pais dos pacientes de Dora Kalff aceitaram submeter-se igualmente à nova metodologia.
Assim, a analista pôde constatar a eficiência desta terapia não-verbal também em relação a adultos, dado que ela propiciava, da mesma forma, o acesso a seu inconsciente, promovendo mudanças muito significativas em relação a seus sentimentos e forma de encarar a vida, através da criação de suas imagens interiores na caixa de areia.
Em 1953-1954, na Conferência de Eranos, Dora Kalff encontrou o Mestre Zen Daisetz Suzuki, cujos escritos a respeito do conceito Zen contribuíram amplamente para o enriquecimento da visão de mundo ocidental. Após tê-lo visitado no Japão, Dora teve a honra de ser a primeira mulher a ser convidada a passar um período em um monastério Zen. Com Suzuki, Dora aprendeu que os gestos simples, as vivências do cotidiano, são a chave para a experiência da mais profunda verdade.
O aprofundamento de seus estudos desta filosofia viria a confirmar-lhe a presença do Zen no Jogo de Areia, dado que este método propicia a criação de um espaço que desperta e apóia a auto-cura e a força daqueles que a ele se submetem, remetendo-os para o seu interior. Dora Kallf concluiu que tanto o Jogo de Areia quanto o Zen enfatizam essa realização, a qual não pode ser encontrada no mundo externo, mas só dentro de cada um.
Durante a ocupação do Tibet pela China, Dora Kalff acolheu um monge Tibetano por oito anos. Em virtude disto, começou gradativamente a ter contatos mais próximos com uma variedade de professores Tibetanos, chegando a receber a visita do professor do Dalai Lama, Trichang Rinpoche, e mais tarde do próprio Dalai Lama.
Para Kalff, esta vivência despertou a consciência do rico simbolismo do Budismo Tibetano, simultaneamente a uma profunda compaixão por todas as criaturas. Este enriquecimento trouxe-lhe um entendimento dos processos psíquicos de seus pacientes, o que lhe permitiu aprofundar ainda mais o seu trabalho terapêutico.
Fonte: Excerto retirado do prefácio escrito por Martin Kalff para o livro “Sandplay A Psychotherapeutic Approuch to the Psyche” Dora Kalff, Temenos Press, USA, 2003.
MITCHELL, R., HARRIET, F. ; Sandplay, past, present and future, Routledge, London, New York, 1994.