Cinesiologia

CINESIOLOGIA — INTEGRAÇÃO FISIOPSÍQUICA COM BASE NA PSICOLOGIA JUNGUIANA

A cinesiologia —estudo do movimento — debruça-se sobre a forma como o corpo se movimenta, com base em sua anatomia e fisiologia.
Esta metodologia propõe uma interação entre o psiquismo e o corpo, tendo como fundamentação teórica a Psicologia Junguiana e técnicas de relaxamento como as de Shultz, Reich, Michaux, Jacobson, Calatonia e a psicomotricidade, sucintamente expostas abaixo.

O trabalho é realizado através de toques sutis sobre a pele, massagens em locais específicos do corpo e técnicas psicofísicas, as quais atuam no Sistema Nervoso Central, promovendo o rebaixamento da consciência e possibilitando ao “eu” acessar conteúdos inconscientes que contribuirão para desbloquear tanto o nível físico quanto o psíquico, e assim conseguir a reconexão do “eu” ao Si-mesmo. Este trabalho terapêutico pode fazer surgir emoções, imagens, sensações e pensamentos, devendo tais conteúdos, após o trabalho corporal, serem tratados verbalmente com um analista. Este processo visa ao relaxamento, à diminuição da ansiedade, a uma maior percepção corporal, ao autoconhecimento e à conscientização dos processos psíquicos internos que estão latentes, promovendo um maior equilíbrio físico, emocional e mental.

Esta abordagem terapêutica foi criada e desenvolvida pelo Dr. Petho Sandor (1916-1992), médico e psicólogo húngaro que imigrou para o Brasil em 1949.

Fundamenta-se em uma visão do ser humano como um todo integrado corpo-mente, uma visão holística, ou seja, que considera o homem um todo indivisível, que não pode ser explicado pelos seus componentes (físicos, psicológicos ou psíquicos), considerados separadamente.

Sandor associou o trabalho corporal ao trabalho verbal desenvolvido por Jung.

Em sua obra, Jung mostra que a dinâmica psicológica está associada à dinâmica corporal, e vice-versa: “Corpo e psique são os dois aspectos do ser vivo, isso é tudo o que sabemos. Assim prefiro afirmar que os dois agem simultaneamente, de forma milagrosa, e é melhor deixar as coisas assim, pois não podemos imaginá-las juntas. Para meu próprio uso cunhei um termo que ilustra essa existência simultânea; penso que existe um princípio particular de sincronicidade ativa no mundo, fazendo com que os fatos de certa maneira aconteçam juntos como se fossem um só, apesar de não captarmos essa integração”. Jung, “Fundamentos da Psic. Analítica” – Vozes – parágrafo 69.

Wilhelm Reich desenvolveu em sua linha teórica a idéia de que o psíquico atua no corpo formando couraças musculares, cuja diluição ele propõe por meio do toque corporal, a fim de liberar a energia contida. Num comentário sobre o trabalho de Reich, Sandor ressaltou o seguinte trecho: “…No caso de o paciente mostrar tensões musculares cronificadas, armadura muscular visivelmente desenvolvida, serão inoperantes análises prolongadas apenas com verbalizações, porque tais casos necessitam também de uma comunicação física energética, já que o tônus da musculatura voluntária, a afetividade e o tônus visceral encontram-se numa correlação múltipla, que abrange ao mesmo tempo vários circuitos funcionais em termos biopsíquicos e psicossomáticos.” Sandor, 1982.

J.H.Schultz criou o Treinamento Autógeno, enquanto que o Dr Sandor trouxe o conceito de “recondicionamento físio-psíquico”. Assim como este, durante a segunda guerra mundial Schultz usou, com pacientes hospitalizados, técnicas de estímulos sonoros verbais para ajudá-los a reequilibrar o organismo fisio-psíquico, tendo Sandor desenvolvido os estímulos cutâneos para alcançar o mesmo objetivo, o que deu origem à Calatonia.

A Calatonia, palavra de origem grega, significa relaxamento, bem como desatar as amarras, deixar ir, retirar os véus dos olhos. Consiste em uma série de toques sutis nos pés, calcanhares, tornozelos e barriga da perna, e ainda na região da cabeça, ou mãos, antebraços e mãos. O paciente deve estar deitado confortavelmente, o que já proporciona uma mudança no ritmo de funcionamento físico e psíquico. O toque proporcionará rebaixamento da consciência, descontração muscular, assim como o reequilíbrio da função respiratória e circulatória.

Ainda dentro dos toques sutis, podem ser feitos trabalhos nas articulações, ao longo da coluna vertebral, dependendo da necessidade do paciente.
O trabalho é guiado bastante pelo eixo das funções sensação e intuição do terapeuta, que lhe permitem ter a percepção do que o paciente está necessitando naquele momento. Somente após o trabalho de relaxamento ambos, terapeuta e paciente, utilizarão suas funções pensamento e sentimento, para elaborar o material que pode ser aflorado pelo trabalho.

O corpo revela o inconsciente através do toque. Este trabalho atua no sistema nervoso autônomo, o qual não tem o controle da consciência. “Há evidências singulares a respeito da participação dos diversos segmentos do sistema vegetativo na formação de imagens, e da importância do cerebelo na coordenação dos fragmentos delas.”Sandor, p.109.

Para se trabalharem as imagens calatônicas, o analista utiliza as regras conhecidas da Psicologia Analítica, além de levar em conta a área corporal trabalhada, a ativação termoceptiva, as sinestesias que podem surgir no decorrer do relaxamento, ou seja, o paciente relata, após o trabalho, uma relação subjetiva que se estabelece espontaneamente entre uma percepção e outra que pertença ao domínio de um sentido diferente (p. ex., um perfume que evoca uma cor, um som que evoca uma imagem, a luz com cheiro, um aroma colorido, ou mesmo sensação, em uma parte do corpo, produzida pelo estímulo em outra parte, além de outras sensações, fantasias, impressões, sentimentos, pensamentos, que podem fornecer informações importantes para a integração das imagens na vida do paciente).

“Experimentando o emergir das imagens calatônicas, suas transformações, sobreposições ou fusões entre si, percebe-se o seu dinamismo integrador e ainda outro fato bastante peculiar: a finalidade inerente, isto é, elas surgem com aquele conteúdo que para os problemas momentâneos do paciente é o mais indicado, abrangendo as áreas necessárias e – como Jung diria – “constelam” as respectivas esferas vivenciadas, as potencialidades”. Sandor, p.110.

Uma outra técnica muito utilizada para o relaxamento de crianças é o método de L.MICHAUX, que não implica a imobilidade do sujeito. Este método foi elaborado nas sessões de reeducação psicomotora, onde são feitas várias atividades corporais de movimento visando a uma melhor relação da criança consigo mesma, com o espaço, ritmo e com o outro (sociabilidade). No relaxamento de Michaux a ênfase é colocada na execução de movimentos voluntários que são solicitados à criança, promovendo seu relaxamento global, com melhoria da percepção da sua imagem corporal, melhor relação com o ambiente, diminuição da tensão e de conflitos internos e aumento da capacidade de concentração. Este trabalho contribui muito para que a criança estruture o “eu”.

Bibliografia:

SANDOR, P., Técnicas de relaxamento, Ed. Vetor, SP, 1982.
JUNG, C.G., Fundamentos da Psic. Analítica – Ed. Vozes
DELMANTO, S., Toques sutis, Ed. Summus, SP, 1997.

O texto a seguir ilustra de maneira sensível o trabalho corporal explicado acima. Foi extraído do livro “O corpo tem suas razões” da autora Thérèse Bertherat e Carol Bernstein, Ed. Martin Fontes, SP, 1987, p.11,12,13,14,16.

“O seu corpo – essa casa onde você não mora”

Neste instante, esteja você onde estiver, há uma casa com o seu nome. Você é o único proprietário, mas faz tempo que perdeu as chaves. Por isso fica de fora, só vendo a fechada. Não chega a morar nela. Essa casa, teto que abriga suas mais recônditas e reprimidas lembranças, é o seu corpo.
“Se as paredes ouvissem…” Na casa que é o seu corpo, elas ouvem. As paredes que tudo ouviram e nada esqueceram são músculos. Na rigidez, crispação, fraqueza e dores dos músculos das costas, pescoço, diafragma, coração e também do rosto e do sexo, está escrita toda a sua história, do nascimento até hoje.

Sem perceber, desde os primeiros meses de vida, você reagiu a pressões familiares, sociais, morais. “Ande assim. Não se mexa. Tire a mão daí. Fique quieto. Faça alguma coisa. Vá depressa. Aonde vai você com tanta pressa…?” Atrapalhado, você dobrou-se como pôde. Para conformar-se, você se deformou. Seu corpo de verdade – harmonioso, dinâmico e feliz por natureza – foi sendo substituído por um corpo estranho que você aceita com dificuldade, que no fundo você rejeita.

É a vida, diz você; não há outra saída. Respondo-lhe que você pode fazer algo para mudar e que só você pode fazer isso. Não é tarde demais para liberar-se da programação de seu passado, para assumir o próprio corpo, para descobrir possibilidades até então inéditas.

Ser é nascer continuamente. Mas quantos se deixam morrer pouco a pouco, enquanto vão se integrando perfeitamente às estruturas da vida contemporânea, até perderem a vida pois que se perdem de vista?

Saúde, bem-estar, segurança, prazeres, deixamos tudo a cargo dos médicos, psiquiatras, arquitetos, políticos, patrões, maridos, mulheres, amantes, filhos. Confiamos a responsabilidade de nossa vida, de nosso corpo, aos outros, por vezes àqueles que não desejam essa responsabilidade e que se sentem esmagados por ela; quase sempre aqueles que pertencem a Instituições cuja primeira finalidade é a de nos tranquilizar e, portanto, de nos reprimir. (E quantos há, independentemente de idade, cujo corpo ainda pertence aos pais? Crianças submissas, esperando em vão, durante toda a vida, licença para vivê-la. Menores de idade psicologicamente, não ousam nem olhar a vida dos outros, o que não os impede, porém, de tornarem-se impiedosos censores.)

Quando renunciamos à autonomia, abdicamos de nossa soberania individual. Passamos a pertencer aos poderes, aos seres que nos recuperaram. Se reivindicamos tanto a liberdade é porque nos sentimos escravos; e os mais lúcidos reconhecem ser escravos-cúmplices. Mas como poderia ser de outro jeito, se não chegamos a ser donos nem de nossa primeira casa, da casa que é nosso corpo?

Você pode, no entanto, reencontrar as chaves do seu corpo, tomar posse dele, habitá-lo, enfim nele encontrar a vitalidade, saúde e autonomia que lhe são próprias.

Como? Não, certamente, se você considerar o corpo como uma máquina fatalmente defeituosa e que o atravanca; como uma máquina composta de peças soltas (cabeça, costas, pés, nervos…) que devem ser confiadas cada uma a um especialista, cuja autoridade e veredicto são aceitos de olhos fechados. Não, certamente, se você aceitar como definitivas as etiquetas de “nervoso”, “insone”, “com mau funcionamento do intestino”, “fraco”, etc. E não, certamente, se você procurar fortalecer-se pela ginástica que se contenta com o adestramento forçado do corpo-carne, do corpo considerado sem inteligência, como um animal a domar.

Nosso corpo somos nós. Somos o que parecemos ser. Nosso modo de parecer é nosso modo de ser. Mas não queremos admiti-lo. Não temos coragem de nos olhar. Aliás, não sabemos como fazer. Confundimos o visível com o superficial. Só nos interessamos pelo que não podemos ver. Chegamos a desprezar o corpo e aqueles que se interessam por seus corpos. Sem nos determos sobre nossa forma – nosso corpo- apressamo-nos a interpretar nosso conteúdo, estruturas psicológicas, históricas. Passamos a vida fazendo malabarismos com palavras, para que elas no revelem as razões de nosso comportamento. E que tal se, através de nossas sensações, procurássemos as razões do próprio corpo?

O trabalho terapêutico corporal tem por finalidade não que você escape a seu corpo, mas sim que seu corpo não continue a escapar-lhe, junto com a vida.
Você poderá deixar cair máscaras, disfarces, poses, o “faz-de-conta”, e passar a ser, a ter coragem de ser autêntico.

Você pode livrar-se de uma infinidade de males – insônia, prisão de ventre, distúrbios digestivos – fazendo com que trabalhem para você, e não contra você, músculos que até agora você nem sabe onde ficam.

Você pode despertar seus cinco sentidos, aguçar suas percepções, ter e saber projetar uma imagem de si mesmo que o satisfaça a que lhe mereça respeito.

Você pode afirmar sua individualidade, reencontrar sua capacidade de iniciativa, a confiança em si mesmo.

Você pode aumentar sua capacidade intelectual melhorando antes de tudo os impulsos nervosos entre cérebro e músculos.

Você pode desaprender os maus hábitos que o levam a favorecer e, por conseguinte, a hiper-desenvolver e deformar certos músculos; romper os automatismos do seu corpo e descobrir-lhe a eficácia e espontaneidade.

Você pode tornar-se um poliatleta que, a qualquer momento e em qualquer movimento que faça, conta com o equilíbrio, com a força, com a graça do próprio corpo.

Você pode libertar-se dos problemas de frigidez ou de impotência e, depois de liberto das proibições que emanavam de seu corpo, conhecer a rara satisfação que consiste em nele habitar realmente.

Em qualquer idade, você pode livrar-se das pressões que cercam sua vida interior e seu comportamento corporal, conseguindo perceber o ser belo, bem feito, autêntico, que você deve ser.

Se lhe falo com tanta convicção e entusiasmo, é porque vejo isso acontecer diariamente.

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